MAMON NÃO CONHECE A MISERICÓRDIA

[Antes de você ler este texto, recomendo que você assista, ouça ou leia a “oração” da Reva. Mariann Edgar Budde na cerimônia de coroação do primeiro monarca absolutista da história estadunidense.]

Não surpreende que um sermão simples e comum sobre união e unidade e, a partir do genuíno espírito do Evangelho, sobre dignidade, honestidade e humildade, sobre piedade, compaixão e misericórdia, tenha agredido tanto extremistas, supremacistas e fundamentalistas. Eles não reconhecem virtudes e desprezam valores [exceto os financeiros, obviamente].

Eles se sentiram atacados, eles reagiram, eles exigem que “the so-called Bishop” se desculpe por ter pedido compaixão pelos párias da sociedade estadunidense, alvo preferencial da elite palaciana. Contudo, ela não atacou o monarca, ela não elogiou seu predecessor, ela não convocou uma rebelião ou uma revolução, ela não pediu coisa alguma para si ou para os seus, ela sequer pediu justiça, ela, respeitosamente, apenas pediu: não sinta ódio, tenha pena.

Os extremistas, supremacistas e fundamentalistas – e seus colegas à direita ou conservadores, especialmente, os silenciosos, e os partidários por conveniência – a acusaram de ser “radical left” por clamar por misericórdia; afirmaram que ela “brought her church into the World of politics in a very ungracious way” por clamar por misericórdia; a classificaram como “[…] nasty […] and not compelling or smart” por clamar por misericórdia; e, por fim, depreciaram o que ela faz com excelência há mais de 40 anos – “Apart from her inappropriate statements, the service was a very boring and uninspiring one. She is not very good at her job!” –, tão somente por clamar por misericórdia.

E, como só agem em bando, eles incendeiam suas milícias contra a religiosa. E, como são hipócritas, não consideram que sua concidadã branca e cristã, simplesmente fez uso da liberdade de expressão no exercício da liberdade religiosa na terra prometida da separação entre Igreja e Estado. Eles defendem a liberdade para controlar a liberdade, querem tolerância para serem intolerantes e são a favor da democracia que eles podem dominar e moldar à vontade.

Como extremistas, supremacistas e fundamentalistas se curvam em silêncio, ouvem e obedecem, e se sentem privilegiados por serem considerados dignos de estarem na gloriosa presença do primeiro monarca absolutista estadunidense, deve ser mesmo blasfemo ver uma mulher [ainda que, e especialmente, da elite religiosa] violar direitos divinos do rei deles, ao olhar nos olhos de “o Estado sou eu” e, com honestidade e verdade – conceitos que, respectivamente, eles não valorizam e desprezam –, clamar por misericórdia.

Em “Killing Them Softly” [2012], o personagem de Brad Pitt, “Jackie Cogan”, diz o seguinte em sua fala final: “Esse cara [o presidente Barack Obama, recém-eleito, está discursando na televisão] quer me convencer que vivemos em uma comunidade. Não me faça rir. Eu vivo nos Estados Unidos, e nos Estados Unidos você está por conta própria. A América não é um país. É apenas um negócio. Agora me pague, porra!”

Assim sendo, talvez, a Reverendíssima tenha feito seu clamor à pessoa errada. E aí, o problema é que, para qualquer efeito prático, é inútil aos filhos de Deus clamarem por misericórdia aos escravos de Mamon.

Claro que vale o registro histórico. Vale – e isso não tem preço – saber que nunca estamos sós. E o mais importante é que vale como inspiração. Porque, infelizmente, apesar dos clamores, não haverá qualquer misericórdia.

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