Quando falamos do Princípio Batista: “Separação entre igreja e Estado”, paira uma dúvida no ar de que tratamos de uma das invencionices da modernidade. Algo que somente poderia ter amparo em crenças que foram instituídas a partir do racionalismo. Todavia, devemos nos lembrar que na verdade, tal princípio está fundado em uma reflexão história fincada em diversos episódios na cultura judaico-cristã.
O questionamento deste princípio é com certeza uma daquelas teses que nos leva a pensar em concordar com o pensamento de Bruno Latour de que talvez “Jamais fomos modernos”, porque há razões para refletir em situações pré-modernas que nos leva a ponderação de que antes não poderia ser melhor.
Há hoje uma sensação de que a “Teocracia” seria um modelo orientado por Deus, e portanto, teria a sua bênção. Mas tal raciocínio não resiste nem a uma passada de olhos pelas Escrituras. Não fosse assim, o famoso bordão presente nos livros de 1 e 2 Reis não estaria sempre presente: “…o qual pecou, e fez pecar a Israel” (1Rs 14,5), ou como em 1Rs 15,24; 2Rs 10,31; 13,6.11; 14,24; 15, 26.28.30 e também presente em vários outros textos. O fato é que os reis de Israel decepcionaram aos que buscaram servir ao Senhor.
Diversas foram às vezes que a proximidade entre o culto ao Senhor e os negócios do rei foram empecilhos para a glória de Deus. Isto posto, não devemos esquecer de que há uma caso que é totalmente emblemático no Antigo Testamento. É o caso do santuário da cidade de Betel, que fora inaugurado pelo rei Jeroboão I, e que entrou para a tradição de Israel como “santuário do rei” (Am 7,13).
O Senhor havia chamado o profeta Amós para trazer uma mensagem de juízo contra o rei Jeroboão II, por causa dos seus pecados. Amós estava diante do santuário de Betel pregando a palavra do Senhor: “Eis que eu porei o prumo no meio do meu povo de Israel; e jamais passarei por ele (…) levantar-me-ei com a espada contra a casa de Jeroboão.” (Am 7,8b.9b). O sacerdote Amazias que era também um pré-posto do rei teve que se reportar a Jeroboão dizendo: “Amós tem conspirado contra ti, no meio da casa de Israel…” (Am 7, 10b).
Como o sacerdote Amazias era servidor do rei, viveu um conflito de intenresses. Devia relatar ao rei os atos do profeta Amós, ou aceitar a vontade de Deus. Na contramão do que se esperava de um servo de Deus, o sacerdote diz a Amós: “Vai-te, ó vidente, foge para a terra de Judá (…) daqui por diante, já não profetizarás, porque é o santuário do rei e o templo do reino” (Am 7, 12a-13bc.). Não havia qualquer separação entre o reino de Israel e a adoração promovida por Jeroboão II. Betel era “santuário do rei e o templo do Reino” (Am 7, 13c).
Este episódio é bastante elucidativo. Os compromissos que porventura venham existir entre o Estado e a Igreja, podem muitas vezes impedir a condição profética das igrejas do Senhor Jesus. Os pioneiros da colonização americana estavam bem conscientes disto. Estes se diziam separatistas. Estes se opunham a uma “Igreja estatal”. Os batistas da origem do movimento preferiam mudar-se de nação, do que ficar impedidos exercerem sua fé de forma plena.
O pensador Alexis de Toquecville, em sua obra, “Democracia liberal na América” dizia que no século XVIII, a democracia americana estatuía que as instituições sociais se representassem por meio de indivíduos no Estado, para que viessem a fazer parte orgânica dos governos. Assim as igrejas quando tinham uma pauta social levavam suas questões dentro de democracia representativa. Tudo isto para impedir que o Estado pudesse se ingerir em seu contexto. Este é o grande problema de se infringir o princípio de “Separação entre a Igreja e o Estado”.
O Pastor João Filson Sorem em seu livreto: “As injunções políticas e a igreja”, lembra que um dos malefícios da aproximação da igreja do estado, é a tirania. Lembra-nos de Constantino, o imperador romano a que até convocava concílios, interferindo em questões de fé. Não devemos nos colocar em situações que nos faça ter que decidir entre Deus e o rei.
A “Separação entre a Igreja e o Estado” é um dos princípios caros que as igrejas batistas não devem se descuidarem, pondo-se em perigo de perder a autonomia para serem fieis somente a Deus.